Dra. Laila Gallo fala sobre a Genética Médica.
1) O que é?
É a especialidade que lida com doenças, como o nome diz, de origem genética (porém nem sempre hereditárias), raras e que em sua maioria são congênitas e incuráveis no estágio atual da medicina. Não se trata de uma especialidade laboratorial, como muitos costumam pensar; na realidade, funciona como a Clínica Médica das Doenças Raras (considera-se doença rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos, ou seja, 1,3 pessoas para cada 2.000 indivíduos, pela Portaria Nº 199/2014 do MS), tendo muitos aspectos em comum com a clínica geral: investigação, diagnóstico, tratamento (quando disponível), acompanhamento de comorbidades e atenção integral à saúde do indivíduo.
É uma especialidade de acesso direto, ou seja, exige apenas graduação em Medicina para iniciar a residência. No entanto, muitos geneticistas já entram na residência com uma especialidade prévia, sendo a mais comum Pediatria.
2) Como é o dia a dia?
O dia a dia do geneticista é dinâmico, pois abrange tanto o ambiente hospitalar quanto o de consultório. No hospital que conta com serviço de Genética Médica, atua-se em ambulatório (que pode ter suas subdivisões – Genética Geral, Aconselhamento Genético, Oncogenética, Neurogenética, Erros Inatos do Metabolismo, Pré-Natal – embora nem todos os serviços dividam seus ambulatórios desta maneira; não há um padrão) e como especialidade que dá suporte a outros setores do hospital, em especial a Neonatologia, que costuma pedir o parecer do geneticista em caso de bebês que nascem com alguma malformação ou em casos que se suspeita de alguma síndrome a esclarecer.
É muito comum, portanto, que maternidades solicitem pareceres ao médico geneticista, que não necessariamente mantém vínculo empregatício com estas unidades, podendo ser pago por produção. O médico geneticista não dá plantão, pois, via de regra, não existem emergências em Genética Médica – a não ser quando há um paciente com suspeita de doença genética em risco iminente de óbito ou com genitália ambígua, que necessita de investigação mais urgente devido à definição do sexo para liberação do registro civil. Em alguns serviços públicos, há escala de sobreaviso para geneticistas com o objetivo de avaliar estes casos. Intercorrências clínicas em pacientes com diagnóstico de doenças genéticas podem e devem ser tratadas pelo pediatra ou clínico geral, dependendo da faixa etária.
O geneticista tem ainda a possibilidade de trabalhar em consultório particular, onde na maioria dos casos os pacientes serão encaminhados por outro especialista (embora também possa ocorrer demanda espontânea). A referência e contra-referência são muito comuns na Genética Médica – visto que as doenças com que lidamos não têm cura, devemos nos atentar a tratar e amenizar as comorbidades, e com isso contamos com o apoio de diversas outras especialidades (sendo as principais Endocrinologia, Neurologia, Neurocirurgia, Ortopedia).
3) Oportunidades de trabalho:
O médico geneticista pode atuar no SUS, em hospitais que contem com serviço de Genética Médica (exemplos no RJ: IFF, HUGG, IPPMG, HFB, IEC, entre outros), em hospitais/maternidades privados como parecerista, em consultórios particulares; pode trabalhar ainda em laboratórios que realizam exames moleculares como responsável pela interpretação de variantes genéticas e confecção dos laudos.
Há ainda a possibilidade de atuar em centros de Oncologia e de Reprodução Humana Assistida. Em alguns estados, o geneticista ainda atua em centros como a APAE e em programas de triagem neonatal (não é comum no RJ).
Não é uma regra, mas muitos geneticistas também trabalham na área de pesquisa científica, além da assistência. Porém, para ser pesquisador na área de genética, não é necessário ser médico.
4) Número de especialistas:
No momento, temos aproximadamente 250 geneticistas registrados pela Sociedade Brasileira de Genética Médica.
5) Curiosidade(s):
– É a especialidade médica com menos profissionais no Brasil e sua enorme maioria está concentrada nas regiões sul e sudeste; somos tão poucos que quase todos nos conhecemos pelo nome e estamos concentrados em um só grupo de Whatsapp!
– Não existem plantões médicos em Genética;
– São raras as doenças genéticas com tratamento específico e, quando disponíveis, o preço é altíssimo (exemplo: apenas o primeiro ciclo para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal tipo 1, aprovado há 4 meses pelo FDA, custa 3 milhões de reais – e deve ser mantido durante toda a vida!)
– Todos os detalhes do exame físico são importantes, inclusive o exame dos dermatóglifos (impressões digitais), que acredite se quiser, em muitos casos ajuda a fechar o diagnóstico!
– Lidamos com epônimos – muitos, o tempo inteiro! É comum que o mesmo médico tenha colaborado na descrição de mais de uma síndrome, ou seja, muitas têm nomes repetidos, o que pode confundir um pouco…
– Em 2014, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras e, no final de 2016, foram homologados como Centros de Referência à Atenção em Doenças Raras 10 hospitais em território nacional, sendo o IFF o único no estado do RJ.
6) Especialidades correlacionadas:
Especialidades médicas – quase todas dependendo do caso, mas principalmente:
- Pediatria
- Clínica Médica
- Endocrinologia
- Neurologia
- Neurocirurgia
- Medicina Fetal e Reprodutiva
Especialidades não médicas:
- Fisioterapia
- Fonoaudiologia
- Terapia Ocupacional
- Psicologia
- Citogenética
- Biologia Molecular
7) Área de atuação:
Como dito anteriormente, o geneticista atua principalmente em ambulatório/consultório, público ou privado; dá suporte a hospitais e maternidades; pode atuar em laboratórios de exames moleculares ou centros especializados. É comum atuar também na área de pesquisa científica.
8) Mensagem para quem quer seguir essa especialidade:
A Genética Médica é uma especialidade “nova”, ganhando maior evidência à medida que a Medicina avança, aumenta-se a possibilidade de investigação e, em alguns casos, tratamento para doenças que antes eram negligenciadas. É uma especialidade essencialmente clínica. Tem sua anamnese mais detalhada em alguns pontos (com a elaboração do heredograma, por exemplo – a “árvore genealógica”) e o exame físico é extremamente detalhista – pequenas dismorfias que passariam despercebidas por outros especialistas são de essencial importância ao diagnóstico sindrômico de um médico geneticista.
O especialista em Genética deve ser, por definição, um curioso – a maioria dos casos encaminhados a nós são complicados, já passaram por diversas especialidades anteriormente e seguiram sem diagnóstico. A investigação, portanto, é nossa principal atuação.
No entanto, existem pontos negativos – em muitos casos, não é possível estabelecer um diagnóstico etiológico (seja por recursos escassos no SUS ou simplesmente pois a medicina ainda não evoluiu o suficiente) e o paciente, que buscava um “nome” para sua condição, segue frustrado. A frustração também é frequente no que tange a busca por tratamentos – as doenças genéticas não têm cura e tratamentos específicos são raríssimos.
O médico que busca resolutividade como uma característica essencial em sua especialidade poderá não se sentir satisfeito na Genética Médica. No entanto, o médico que abraça desafios e que se alegra a cada pequena evolução em um paciente que antes ficaria “perdido” no sistema de saúde, encontrará um campo fértil de atuação!
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Referências:
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Demografia médica no Brasil 2015 – USP. Disponível em:
https://www.usp.br/agen/wp-content/uploads/DemografiaMedica30nov2015.pdf - https://www.sbgm.org.br/
- https://anmr.org.br/