Dr. Ronaldo Gismondi fala sobre a Clínica Médica.
1) O que é?
A Clínica Médica é considerada uma das áreas bases da medicina, uma vez que engloba conteúdo das diversas especialidades clínicas. E esse é justamente um dos principais pontos de quem escolhe esta especialidade: você acaba sempre lendo e sabendo um pouco de tudo. O ponto forte são os desafios diagnósticos: os pacientes se apresentam com um conjunto de sinais e sintomas e é o clínico o grande responsável pela investigação. É como o House, do famoso seriado.
Contudo, um erro comum, principalmente daqueles afastados dos grandes hospitais e universidades, é se dedicar apenas a doenças de baixa complexidade e se tornar um grande encaminhador – hipertensão vai para o cardiologista, aumento de creatinina na nefro, tonteira no otorrino e assim por diante. É importante frisar que a Clínica Médica, como especialidade, engloba a atenção primária/atenção básica, concentrada no nível ambulatorial, mas também a medicina interna, responsável pela visita dos pacientes internados. Do mesmo modo, a maior parte dos emergencistas são hoje clínicos.
Outra área importante de atuação são as ações preventivas individuais, orientando medidas saudáveis e realizando exames preventivos (check up). Uma mudança recente na formação do clínico é que, apesar do conhecimento global da especialidade, a maioria dos clínicos novos tem procurado ter uma área na qual ele aprofundou a experiência e o conhecimento, em geral acompanhando um serviço especializado ou por mestrado e doutorado. Como exemplo, temos clínicos com maior atuação em hepatologia, hipertensão, colagenoses, entre outras.
Em relação à formação, a clínica médica está presente como conteúdo do ciclo profissional da graduação e é um dos rodízios obrigatórios no internato, com duração mínima de três meses. Todo médico que escolher uma especialidade clínica, com exceção de dermato e neuro, deverá realizar a residência de clínica médica (2 anos) antes do ingresso na especialidade.
2) Como é o dia a dia?
A rotina mais comum de um clínico é trabalhar vinculado a um hospital pela manhã, fazer o consultório à tarde e dar algum plantão à noite. Na enfermaria, é responsável em média por 6 a 8 pacientes, aos quais irá “passar visita” – anamnese + exame físico, realizar a prescrição e solicitar os exames pertinentes. No ambulatório ou consultório, tradicionalmente tem consultas mais demoradas que as outras especialidades, pois acaba tendo que avaliar a saúde como um todo. Por isso, muitos clínicos “fogem dos convênios” (onde o foco é atender muita gente em pouco tempo) e se dedicam à medicina privada, com consultas longas, sobre todos os aspectos de saúde da pessoa e sua família. O plantão do clínico pode ser na emergência, “no andar” ou na terapia intensiva. Visitas a pacientes em casa é bem comum na medicina privada – e gerou até o famoso “uber de médico”, no qual o paciente se cadastra no aplicativo e solicita o médico online que esteja mais prático. Por incrível que pareça, há quem goste!
3) Oportunidades de trabalho:
O clínico é hoje o profissional com maior campo de trabalho. Como é habilitado a atender grande diversidade de doenças – praticamente tudo de um adulto que não seja cirúrgico, há oportunidades na área pública e privada e nas mais diferentes instituições. Durante a residência, o plantão de hospital é “a porta de entrada” no mercado de trabalho e as opções usuais são: emergência (pública e privada), andar (quase que exclusivamente em hospitais privados) e terapia intensiva. Há, ainda, a opção da ambulância; aqui muitos “torcem o nariz”, pois há grande cansaço em passar o dia andando de carro, indo a vários locais diferentes, e encontrando situações por vezes inesperada. Outros, por sua vez, adoram a emoção de ser socorrista!
O emprego como “rotina”, isto é, o diarista que passa visita nos pacientes internados (“medicina interna”), é mais comum em hospitais privados – no serviço público o acesso para essa função costuma ser por concurso. O ambulatório se concentra em 4 áreas principais: consultório privado sem convênio, consultório com convênios, consultório com consulta a preço popular e ambulatório ligado a uma instituição pública.
Essas áreas de atuação que explicamos acima seriam as “atividades fim” da profissão”. Por outro lado, o clínico também tem oportunidades como membro de uma equipe cuja função-fim seja outra área. Como exemplo, temos os serviços periciais nas instituições públicas, o médico em escolas e aqueles em empresas para pronto-atendimento – seja na área pública ou privada, entre outras. Para quem quiser ser servidor público, é a especialidade com mais vagas em concursos, já que suas ações podem ser em vários setores dos serviços de saúde. Além do serviço civil, os clínicos são parte do corpo de saúde de bombeiros, polícia militar e forças armadas.
4) Número de especialistas e locais de referência:
No momento, temos aproximadamente 35 mil clínicos registrados pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
Locais de referência: a Clínica Médica tem sua própria sociedade, a Sociedade Brasileira de Clínica Médica, e suas regionais. Como é parte obrigatória na formação médica e uma das área base da medicina, todo hospital geral tem um serviço de clínica médica. Os grandes centros de referência são as universidades públicas, que concentram os grandes professores e catedráticos da especialidade.
5) Curiosidade(s):
– Nos Estados Unidos, a diferença entre medicina interna, medicina de família e emergencista sempre foi clara, sendo inclusive especialidades diferentes. No Brasil, toda essa vivência fazia parte do conteúdo da residência de clínica médica. Apenas nos últimos 20 anos que cresceu o movimento do médico de família e, nos últimos 5 anos, do emergencista.
– É muito comum as pessoas acharem que todo médico que se forma é clínico. Mas na verdade clínica médica é uma especialidade com formação específica por residência ou pós-graduação. O tempo mínimo são 2 anos, sendo o terceiro ano opcional. Quem sabe o nome de medicina interna não acabaria com essa confusão?
– Em 2002, a residência em Clínica Médica se tornou obrigatória como pré-requisito para realização de residência em outras especialidades médicas.
– A palavra Clínica vem do grego klíne, leito, cama. Médico se dizia Iatrós e Klinikós era o médico que atendia os doentes acamados.
– A Clínica Médica, tal como a conceituamos hoje, nasceu na Ilha de Kós, na Grécia, com Hipócrates, há 2.500 anos. Foi ele o introdutor da anamnese como etapa inicial do exame médico. Com ele nasceu a observação clínica, compreendendo a história da doença que leva o doente a procurar o médico, e o exame físico do paciente em seus menores detalhes, em busca de dados para a elaboração do diagnóstico e do prognóstico.
– House costuma ser a série médica favorita! Foram 8 temporadas e 177 episódios! ER e Grey’s Anatomy também fazem muito sucesso.
– E ainda sobre House, esta é uma série inspirada na coluna “O Diagnóstico”, publicada no jornal New York Times. A coluna mostrava casos médicos raros. Teoricamente, todas as doenças dos episódios são reais, isto é, passíveis de ocorrerem de verdade.
6) Especialidades correlacionadas:
A Clínica Médica se relaciona com as demais especialidades no compartilhamento das doenças clínicas e também com o cirurgião geral, tanto no preparo do paciente para a cirurgia (incluindo o risco cirúrgico), como no acompanhamento de complicações clínicas pós-operatórias. Isso é tão importante que duas universidades federais no Rio de Janeiro, a UFF e a UFRJ, possuem serviços vinculados à Clínica Médica cujo objetivo é o acompanhamento pré e pós-operatório.
7) Área de atuação:
Como explicado anteriormente, o clínico é o responsável principal pelo atendimento de todas as doenças não cirúrgicas em adulto e pode participar como adjuvante no acompanhamento pré e pós operatório. Suas principais áreas de atuação são o ambulatório/consultório, os plantões e a medicina interna, tanto no serviço público como no privado.
8) Mensagem para quem quer seguir essa especialidade:
O clínico tem três grandes áreas do conhecimento: prevenção, diagnóstico e tratamento. Na prevenção, desenvolva suas habilidades para avaliar o custo x risco x benefícios dos exames de “check up”. O que de fato vale a pena? Não caia na tentação de pedir todos os exames, pois isso te levará ao perigoso caminho dos falso-positivos.
Em diagnóstico, mude seu raciocínio. Passe a estudar como “problem based learning” – abordagem ao paciente com dispneia, investigação de síndrome consumptiva, entre outros. Exercite a lista de problemas→ diagnósticos sindrômicos → diagnóstico etiológico.
Em tratamento, não caia na tentação de ser um encaminhador. Desenvolva habilidade e experiência, ou seja, estudo e prática, para tratar as doenças mais comuns, tanto no atendimento ambulatorial como na medicina interna. Não há porque encaminhar hipertensão para cardiologista, diabetes não-insulino-dependente para endócrino, etc… Se possível, desenvolva uma área do conhecimento na qual você tenha mais intimidade. Mestrado e doutorado podem ser caminhos para esse objetivo.
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Referências:
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Demografia médica no Brasil 2015 – USP. Disponível em:
https://www.usp.br/agen/wp-content/uploads/DemografiaMedica30nov2015.pdf - https://www.sbcm.org.br/
- https://anmr.org.br/
- https://www.jmrezende.com.br/clinicamedica.htm